Conheça os bastidores de Gris

Diretor de arte e um dos fundadores do Nomada Studio, Conrad Roset fala do processo criativo e sua predileção pela aquarela no jogo

Na contramão do senso comum, Conrad Roset resolveu criar um jogo sem saber uma vírgula de programação. O ilustrador espanhol, nascido e criado na cidade de Terrassa, em Barcelona, na Espanha, fez carreira com pincel na mão. Suas obras já correram o mundo. Mas quando o assunto envolve programar, ferrou. Ele tinha um vislumbre de como seria o jogo: um mundo em preto e branco, cujas cores pintariam o cenário com aquarela de acordo com o avanço do jogador. Tirando isso, ele não tinha a menor ideia de como concretizar o projeto. Até que o universo deu um empurrãozinho. “Conheci Roger [Mendonza] e Adrián [Cuevas] num encontro casual e, por coincidência, ambos são programadores. Contei minha ideia, eles curtiram e, juntos, montamos o Nomada Studio para produzir Gris“.

Depois de quase ter tido uma síncope ao terminar de jogar Gris, o JogaeTV resolveu ouvir do próprio Roset sobre a produção do jogo lançado para PC e PlayStation 4 pela Devolver Digital. A entrevista a seguir é uma transcrição do vídeo disponível no final da página.

Conrad Roset em seu ateliê Foto: Salva Lopez

JogaeTV: Poderia nos explicar como surgiu a ideia de produzir GRIS?

Conrad Roset: Pois bem, eu sou ilustrador, passei sete anos trabalhando como ilustrador em publicidade, no mundo editorial e em exposições de arte, trabalho que continuo fazendo.

Eu tinha vontade de colocar meu grãozinho de areia nessa indústria [de jogos], fosse como ilustrador ou criador de videogames, então, por “casualidade”, graças a um contato em comum, numa determinada noite, eu conheci o Roger e o Adrián, que hoje são meus sócios na Nomada Studio. Esses dois rapazes são programadores. Era a peça que me faltava. Estava como louco buscando uma equipe para fazer um videogame.

Tinha uma ideia muito básica que era fazer o velho 2D, muito artístico, com uma mecânica principal em que o jogo começaria em preto e branco e à medida que fosse avançando, as cores seriam desbloqueadas e as veríamos pintando o mundo.

Foi isso que contei pro Roger e pro Adrián e eles gostaram muito da minha ideia, gostaram dos desenhos que eu mostrei. Foi então que começamos com o GRIS.

Quando se decidiu que a aquarela seria a linha principal do jogo?

CR: Bom, foi muito simples. Como ilustrador, uma da minhas técnicas favoritas e uma das técnicas que mais domino é a aquarela. Então foi um pouco pela inércia. Como foi o meu primeiro videogame, queria sentir comodidade, e trabalho com aquarela já há uns sete ou oito anos, como falei anteriormente.

Acho que ademais, dá um aspecto bem artístico, visualmente fica muito orgânico e decidimos optar pela aquarela porque todos gostavam e eu, como diretor de arte, gostei muito.

A leveza nas áreas acessíveis do cenário, principalmente nas linhas sutis que estão no mesmo plano do personagem, tem uma pitada das artes de M.C. Escher. Quais outros artistas te inspiraram?

CR: Escher me inspirou muito, de fato vi uma exposição dele na Itália faz alguns anos e fiquei impressionado. Mexeu comigo. Também tenho como referência [o jogo] Monument Valley. Tanto nós como Monument Valley nos conectamos a Escher. Ambos brincam com ilusão de ótica, escadas impossíveis.

Então eu tive muitas referências para GRIS, desde o mundo das artes, da pintura, como Escher, ou sei lá… muitíssimos, eu poderia te dizer muitíssimos escultores, como [Alexander] Calder. Eu me lembrava quando olhava as esculturas de Calder para criar a geometria das plantas da zona do bosque. Mas também busquei referências em todas as indústrias. No mundo dos videogames gosto muito da arte de Shadow of the Colossus, de Journey, de Monument Valley, como dizíamos, Dear Esther ou sei lá, Inside, Limbo, Ori etc.

Também li muitas HQs, vi videoclipes, vi os filmes de Ghibli. Um filme que eu vi e gostei muito que se chama A Tartaruga Vermelha, um filme francês muito bonito [Nota do editor: a produção é franco-belga-japonesa e envolve os estúdios Wild Bunch, Why Not Productions e Studio Ghibli). Os filmes da Disney me inspiraram muitíssimo. A verdade é que sobre as referência, nós pegamos ideias de muitas partes, que eu considero a forma correta de trabalhar.

Qual a dificuldade de criar um sistema de jogo que não seja invasivo, como é muito comum na maioria dos jogos, e ao mesmo tempo conseguir orientar o jogador a não se perder pelo cenário?

CR: Isso é muito difícil. Temos um desenhista muito bom, o Óscar, que nos ajudou muito com o design das fases. Nós queríamos fazer um jogo em que você se sinta livre para poder explorar, porém, ao mesmo tempo, queríamos ter bastante controle sobre os tempos do jogo, porque a narrativa é muito importante e… não queríamos que o jogador trave em nenhuma momento para não se sentir preso. Nem que a narrativa fosse lenta.

Porém, ao mesmo tempo, queríamos algumas zonas mais abertas para que o jogador se sentisse livre para poder explorar esse mundo tão, tão bonito e tão, tão trabalhado que fizemos, né?

Então é buscar um pouco esse equilíbrio. Nos guiávamos com certos recursos que chamassem a atenção para orientar o personagem pelo cenário, nos guiávamos muito pela câmera, distanciar, fazer um pequeno “travelling”, para focalizar o centro de atenção do jogador.

Poderia explicar um pouco sobre o processo de animação do jogo?

CR: Sim. Basicamente, o processo de animação é: eu faço uns key-art de frames, quer dizer, para criar, por exemplo, sei lá, a corrida da menina, a animação de correr, da nossa protagonista.

Eu fazia dois ou três desenhos sobre as poses de como eu imaginava de como deveria correr os key-frames, como se chamam, os frames-chave, depois passava esses key-frames a Adrián Miguel, que é o animador-chefe de GRIS, um animador muito bom que tivemos, e ele fazia a animação bruta, as animações da menina, frame a frame. Focamos no desenvolvimento manual. Quer dizer, está desenhado um por um, de forma digita, porém,  frame a frame, como se fazia antigamente.

E… uma vez que temos a animação bruta, temos que passar para a equipe de “clean-up”. A equipe de “clean-up” foram quatro ou cinco pessoas que, basicamente, intercalava a animação de Adrián, porque talvez faltava alguns frames para completar, e depois o “clean-up”, que basicamente é calcar e limpar a imagem de Adrián. Por fim, pintar.

Vocês conseguiram criar um jogo impecável. O visual é um colírio. O áudio é inesquecível. O controle é preciso. Tudo isso sem uma única palavra na tela. Quão difícil é criar algo fora dos padrões?

CR: Muito obrigado por essa pergunta, a verdade é que… muito obrigado!

Precisávamos nos destacar. Você vê em qualquer loja, cada dia lançam vários jogos independentes, e cada vez tem mais AAA. Contra os AAA não se pode competir, no sentido de que são equipes muito grandes e não tínhamos nem orçamento nem os meios para fazer um jogo em 3D tão bem feitos como Red Read [Redemption] ou Uncharted etc.

Assim que decidimos dar importância à parte artística, aqui, sim, [uma área que] podemos competir com os melhores. Simplesmente temos uma boa direção de arte e trabalhamos muito a animação. Em 3D seriam precisos recursos muito maiores.

Então, basicamente, a decisão importante foi focar, priorizar muito a parte artística, muitíssimo a trilha sonora, e decidir não fazer um jogo tão longo, mas sim um jogo bem acabado. Quer dizer, priorizamos o polimento final para que o jogo estivesse sem bugs, super bem acabado, que o controle fosse bom, que a arte estivesse 100% como eu queria, que as animações estivesse cuidadas, sobretudo, que você jogue e perceba que foi caprichado. Acima de muita duração ou muito conteúdo, preferimos algo curto e bem acabado e não longo e mal acabado. Decidimos pela qualidade acima da quantidade.

Há planos de expandir o universo de Gris, de repente lançando um livro de arte do jogo?

CR: Sim, a verdade é que estamos conversando com uma editora para fazer um livro de arte porque, a equipe de arte e eu, com essas duas garotas que me ajudaram, Ali e Alba, temos muito material que descartamos. Temos umas 500 artes conceituais mais ou menos que fizemos no primeiro ano, storyboards, key-frames, desenho de personagens. A verdade é que nós temos muito material e seria uma pena não poder mostrar. Por isso estamos conversando com uma editora espanhola para fazer um livro de arte que todo o mundo possa ver um pouco o processo criativo, o desenho de personagens etc.

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